Viver urge e urge de uma maneira voraz e incorruptível

Meio bobo eu sei, mas nos últimos dias voltei a usar as velhas alianças que estavam no fundo da caixinha de joias. As duas reunidas no mesmo anelar esquerdo. 

Não foi pela velha melancolia e saudades do João Telmo, seria hipocrisia dizer isso, até porque para ser franca, apesar de sempre crer que a sua companhia seria sempre perfeita como já era, tenho admitir que acostumei-me em não tê-lo aqui comigo. De fato, ele nunca será substituível, mas desde sua partida, aprendi a guardar todo sentimento e todo amor que por ele me são infinitos na estante da minha alma e que, por sobrevivência provavelmente, aprendi a ignorar como as demais lembranças que ali ficam expostas como um troféu que, vez ou outra, resolvo tirar a poeira do tempo e da necessidade de vida que lhe ofusca o brilho. Sim são troféus, porque cada riso e abraço foram expressões de uma felicidade infinita que enchia meus pulmões e até hoje me fazem suspirar, mas sim, se tornam opacos com o tempo e com o que chamo de necessidade de vida, porque o passado só pertence a si próprio e a única coisa que pode trazê-lo para o agora, são as lições que dão sentido de existência fazendo-o que tenha valido a pena.

Viver urge e urge de uma maneira voraz e incorruptível, que nos obriga a olhar sempre à frente de uma maneira quase desumana. 

Admito também que o passado ainda me ronda, sejam nos livros e nos versos, sejam nas comparações que inevitavelmente são feitas e seria um despautério se não fosse assim. Pois como é possível voltar a mente a ignorância depois de descoberta a combinação que lhe era perfeita, seria isso como ignorar parâmetros visíveis de excelência que lhe conduziriam a felicidade. Mas estas são concatenações apenas, que em termos práticos nem sempre se aplicam, já que de fato “o coração quer apenas aquilo que o coração quer”. 

Voltando ao símbolo, aos anéis unidos, assim como na roda da fortuna, para que entendam, devo reconhecer que me apaixonei novamente, então me decepcionei e a dor da decepção foi tão lasciva quanto a do próprio luto que vivera antes, talvez até mais, porque algo de ego estava em jogo, contudo como a própria paixão, passado o seu tempo também foi-se embora a dor e, em seguida, me encantei de novo. E, disso é que se tratam estas alianças. Talvez o melhor presente que me foi dado, não pelo brilho ou pelo seu valor material, mas porque, mais que adornos, trazem impregnadas em si lições que deverão me acompanhar por toda eternidade uma vez crendo eu na imortalidade do espírito. Um grandioso presente, quando me foram dadas convergiram-se em símbolo de como o amor pode ser palpável e de como o espirito pode descobrir a liberdade infinita mesmo estando deliberadamente preso a outro, simplesmente por se permitir sentir e ser o que de fato é, sem máscaras ou medos. Logo mais, porém incorporando outra significância - já o significado do símbolo se apresenta conforme a iniciação do seu apreciador - aqui são também a prova viva de que sonhos e planos podem ser interrompidos inesperadamente, que a felicidade pode ir embora a qualquer momento, como também não são infinitos nem a dor, nem o choro. 

Lembram-me e evidenciam as alianças, que a vida é movimento contínuo e necessário que não silencia nunca, e que tudo que nela transborda é absolutamente efêmero, seja bom ou ruim. Aliás, em verdade bom e ruim são concepções arbitrárias do viver, vez que são apenas faces de um acontecer que nos impulsionam para um novo querer ou desprender. 

De tal modo, tomando ciência e consciência disto tudo, aprendo mais a não apenas viver por viver, mas reitero e relembro todos os dias através destas pequenas argolas douradas assumindo paradoxalmente o matrimonio e o desenlace com meu próprio eu, que devo, por todas as nuances possíveis, intensamente viver o viver.

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